Hoje faço esta distinção entre compositores, na época apenas viajava com as harmonias destas músicas, acompanhando-as batendo um garfo em um prato ou em uma garrafa, torcendo para alguém largar um instrumento para poder tocar.
E é esta diferença entre a forma de compor que explica porque eu gostava apenas da letra de algumas músicas ou da ginga de outras, e porque alguma coisa diferente acontecia quando escutava musicas como: “Eu vim de lá”, “Acreditar”, “Enredo do meu samba”, “Sonho meu”, e outras de Dona Ivone Lara, que me encantavam de primeira e ficavam grudadas em minha cabeça por dias, pois aquela melodia e aquela cadência, até então, não tinha ouvido em outras canções.
Dona Ivone Lara traz em suas composições a riqueza de sua origem misturando o canto dos negros livres africanos, canto este alegre por sua natureza, mas triste por ter sido trazido para o Brasil à força. Traz o atabaque da capoeira e os cantos de umbanda. Traz a genialidade de Pixinguinha e Waldir Azevedo, de Charles Bird, Miles Davis e Duke Ellington, os quais compuseram obras de igual quilate.
O maestro Vila-Lobos já havia notado o talento daquela aluna de canto de sua esposa Lucília. A mesma menina que se tornaria a primeira mulher a ingressar na ala de compositores de uma escola de samba, a Império Serrano.
Um time de grandes cantores interpretaram e interpretam seus sambas, entre eles Roberto Ribeiro, Paulinho da Viola, Clara Nunes, Beth Carvalho, Gilberto Gil, Maria Bethânia e Caetano Veloso, este último com quem compôs a pérola “Força da Imaginação”, trecho abaixo:
“Quando uma escola traz de lá do morro
O que no asfalto nem é sonho
Atravessa o coração
Um entusiasmo medonho
Força da imaginação
Se espalhando na avenida
Não pra mimar a fraqueza
Mas pra dar mais vida a vida”
Escutando: Beth Carvalho, Traço de União - 1982